Velibor Vasović: a importância de um sérvio na afirmação do Futebol Total

Quando se associam futebol e estética, usualmente alguns expoentes históricos vêm à mente. No entanto, quando se adiciona mais um critério ao contexto, a eficiência, esse número se reduz. Nesse sentido, é provável que os exemplos melhor acabados de tal hipótese sejam o Ajax, cujas bases foram fundadas pelo treinador Rinus Michels e maturadas por Ștefan Kovács, e a Seleção Holandesa dos anos 70. Ambos praticaram o que passou a ser conhecido como Totaalvoetbal. Apesar disso, a construção de tal modelo e a afirmação da identidade holandesa só foi possível mediante a influência de um atleta sérvio: Velibor Vasović.


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Partindo da ideia de que o jogo de futebol é disputado em dois momentos distintos, defensivo e ofensivo, Michels passou a amadurecer a possibilidade de criar um time de atletas capazes de ser competentes em qualquer situação, um coletivo que potencializasse a individualidade e vice-versa. Por esse motivo, defensores teriam licença para atacar e atacantes obrigação de defender, tudo de forma coordenada. Foram anos de desenvolvimento até que os movimentos fossem internalizados e automatizados.

É certo que o Ajax mais lembrado pela história é o tricampeão da Copa dos Campeões da Europa, mas sua origem é anterior. O trabalho de Michels à frente dos Godenzonen começou a ser construído em 1965.

Rinus Michels AjaxÀ época, sabia-se que havia talento a ser desenvolvido na Holanda, porém o futebol do país tinha todas as características do amadorismo e, sempre que desafiado em nível internacional, mostrava fraqueza tática e mental. Não se acreditava que aquela nação, que começava a viver a revolução cultural que originou seu conhecido espírito livre, pudesse se livrar das amarras do tédio e do conservadorismo e adotar uma atitude confiante e vencedora. Essa foi uma das razões pelas quais, em 1966, Michels demandou a contratação de Vasović, defensor da Seleção Iugoslava e do Partizan.

Duro, trabalhador, técnico e, mais importante, líder, o jogador chegou a Amsterdã para doutrinar a seus hábeis e inexperientes companheiros a crença de que a união de talento, boas ideias e comprometimento pode conduzir qualquer time ao sucesso. Conforme falou ao livro Brilliant Orange: The neurotic genius of Dutch soccer [1], o defensor sérvio não acreditava em nada, senão a busca pelas vitórias.

“Quando você veste a camisa e amarra as chuteiras, tem que vencer. Do contrário, você deve ficar em casa e assistir televisão. Com esse caráter, ajudei muito os jogadores do futebol holandês, porque eles não eram naturalmente assim [...] Fui capaz de fazer muitas mudanças no Ajax, que era um time muito jovem então. Johan Neeskens era 10 anos mais novo que eu; Cruyff, nove anos mais jovem; Hulshoff oito anos. Apenas Sjaak Swart era mais velho que eu”, disse ao autor David Winner.

Assim, aos poucos o esquema tático inicialmente aplicado por Michels foi mudando. O 4-2-4 que revolucionou o futebol em 1958, com a Seleção Brasileira, deu lugar ao 4-3-3, que se tornaria marca registrada na Holanda. 

Vasović foi o líbero dessa esquadra, o jogador que partia da defesa para o ataque e podia fazer de tudo; possivelmente a peça mais fundamental à internalização dos conceitos de cobertura constante, pressão a partir de vantagem numérica e da linha de impedimento. Como tinha facilidade para se juntar ao meio-campo e ataque, provocava o avanço da linha de defesa do Ajax, o que foi uma das marcas da equipe.

É claro: o time foi criado para jogar ao redor do talento de Cruyff, o que só foi possível quando o coletivo entendeu que, a partir da coesão de um conjunto de talento, era possível chegar às glórias maiores no futebol. Pentacampeão iugoslavo, Vasović já entendia isso com perfeição e foi capaz de transportar tais experiências ao Ajax e, consequentemente, à Seleção Holandesa de 1974, cuja base vinha de Ajax e Feyenoord e era treinada justamente por Michels.

Sua influência foi tão grande que, ciente do avanço da idade do sérvio, o treinador dos Godenzonen começou a preparar seu substituto. Assim, após 1971, Horst Blankenburg, outro estrangeiro, dessa vez alemão, passou a desempenhar a função consagrada por Vasović.

Vasovic VeliborEm determinado momento do início de sua trajetória no mais bem-sucedido clube da Holanda, Michels entendeu que, a despeito do talento que possuía no ataque, precisaria de solidez defensiva. E não é que não tivesse jogadores de boa qualidade; ele os tinha. No entanto, faltava-lhes a mentalidade adequada, a autoconfiança e autoestima alta, a agressividade (no sentido positivo), a gana, a recusa diante da derrota. Tudo isso foi levado à Amsterdã pelo sérvio.

Assim também nasceu um novo capitão para o time. A personalidade, qualidade para ler o jogo e fazer o time jogar, tornaram Vasović o jogador perfeito para a função, que exerceu, até 1971, quando decidiu pendurar as chuteiras, impulsionado por sua condição de asmático.

É curioso pensar que muito do bonito e móvel estilo de jogo holandês foi fundado na dureza e caráter de um defensor vindo da então imponente Iugoslávia. Todavia, essa é a realidade. Também é interessante notar que enquanto sempre vêm à memória jogadores como Cruyff, Neeskens e Ruud Krol como expoentes do grande Ajax dos anos 70, Vasović merece um lugar tão privilegiado quanto o dos craques neerlandeses. Trata-se, ademais, de um dos jogadores cuja atuação e impacto demonstram, cabalmente, a genialidade de Rinus Michels.

A importância de Velibor Vasović, falecido em 2002, para a história do futebol holandês é imensurável, uma vez que a primeira geração de sucesso nascida no país foi desenvolvida no período em que foi referência do Ajax – o que inclui, até mesmo, o Feyenoord, campeão europeu em 1970 e que tinha Rinus Israel em função semelhante. Só a partir de então apareceram outras gerações de talentosos jogadores; times como o campeão europeu de 1988, o quatro colocado no mundial de 1998 e o vice de 2010.



[1] WINNER, David (2008). Brilliant Orange: The neurotic genius of Dutch soccer. Nova York: Editora Overlook, ps. 31, 32. 

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