2000 dias na vida de Riccardo Calafiori

Até o dia 2 de outubro de 2018, não
havia razões para duvidar do potencial de Riccardo Calafiori, um defensor tão
bom que não se sabia se seria zagueiro, lateral esquerdo ou meio-campista.
Naquela data específica, Alberto De Rossi, o pai de Daniele, decidiu escalá-lo
pelo flanco. A Roma enfrentava o Viktoria Plzen no Campo Agostino Di
Bartolomei. Fazia pouco tempo que Calafiori representava a seleção italiana
sub-17, depois de passar pelos escalões imediatamente anteriores. O placar
indicava 3 a 3 e talvez por isso o jogo estivesse pegado ao ponto de, após uma
entrada de Vaclav Svoboda, Calafiori ter o joelho direito completamente
destruído.

Riccardo Calafiori Itália
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

Ele não seria o primeiro a temer o fim precoce de sua carreira, mesmo
que, aos 16 anos, já jogasse a UEFA Youth League, competição continental de
clubes sub-19. Nesta altura do desenvolvimento, é preciso pouco para interromper
a progressão de uma carreira, não importando o quão bom seja o atleta. Todos os
ligamentos do joelho de Calafiori se romperam
, assim como o menisco. Um doloroso
procedimento cirúrgico se fez necessário para, antes de mais nada, permitir que
o jovem voltasse a andar.

Qualquer um ficaria surpreso se ele não
tivesse se perguntado algo tão simplório como: “Por que eu?” Estava tudo
caminhando muito bem para que, em pouco tempo, ele se tornasse referência na
defesa italiana que já se sabia em vias de não mais poder contar com os
veteranos Giorgio Chiellini e Leonardo Bonucci.

Um dia depois,
Calafiori disse ao mundo que não se renderia: “Chegou a hora de realmente trazer
à tona tudo o que tenho dentro de mim. Desta vez, sem partida decisiva, sem
final para vencer… Tenho pela frente a batalha mais importante da minha vida e
certamente não posso recuar”
, afirmou em sua conta do Instagram.

 

 

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Dois
dias depois do sinistro envolvendo Calafiori e Svoboda, o Arsenal entrou em
campo pela Liga Europa, o que, por si só, indicava que os Gunners já não eram os
mesmos. O normal nos anos anteriores era ver os londrinos na Liga dos Campeões.
Foi um jogo fácil, 3 a 0, diante dos azeris do Qarabag. O time escalado por Unai
Emery tinha três zagueiros, Sokratis Papastathopoulos, o grego, Rob Holding, o
inglês, e Nacho Monreal, o lateral esquerdo improvisado. Espanhol. Nenhum deles
propriamente confiável e jogadores um tanto convencionais. As coisas não iam
muito bem, conforme o time tentava superar o longo e um tanto arrastado tempo de
Arsène Wenger.

Oito dias depois de ser abalroado, Calafiori viu,
provavelmente de uma cama de hospital, a Itália sofrer para empatar com a
Ucrânia em amistoso disputado em Gênova, no Luigi Ferraris. Federico
Bernardeschi, que jamais alcançou o potencial imaginado quando de seu surgimento
na Fiorentina, marcou para a Azzurra, que tentava recomeçar depois de não
conseguir classificar-se para a Copa do Mundo de 2018. Aquela convocação
contemplou até mesmo jogadores incógnitos como Lorenzo Tonelli, que nunca chegou
a defender a Nazionale.

Como deixar de cogitar que, uma semana antes
destes eventos, Calafiori se imaginava parte do futuro de seu país?

 

Roma Calafiori
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

347
dias depois de chorar, Calafiori sorriu
. Ele foi o titular da lateral esquerda
do time sub-19 da Roma, que venceu o Chievo por 6 a 3. Jogou por 61 minutos.
Houve novas lesões durante a temporada, mas ao final, já em dias pandêmicos, ele
também fez sua estreia como profissional: como ala esquerda, ajudou a Roma a
vencer a Juventus. Sofreu um pênalti e viu o clube da capital vencer por 3 a 1.
Em Turim.

“Todo garoto que cresceu aqui é apaixonado por essas cores, sonha um dia
chegar até aqui. Parece que consegui e ainda não percebi. Meu sonho agora é
poder ganhar algo com esta camisa”, disse à época.

O responsável pela estreia foi o treinador Paulo Fonseca, mas ele não
pareceu confiar muito no que o jovem tinha a oferecer. Tampouco as lesões deram
sossego a Calafiori, sempre lateral ou ala, nas parcas aparições feitas durante
a temporada 2020-21. Até Covid-19 ele contraiu. O fato é que ele jogou apenas
419 minutos. De positivo houve seu primeiro gol como profissional, diante do
Young Boys, da Suíça. O futuro na seleção parecia algo cada vez mais distante,
ainda que ele seguisse progredindo nos escalões sub-19, 20 e 21.

Era hora de
ir.

 

Subaproveitado na Roma em mais uma campanha, o garoto tentou a
sorte com um empréstimo de meia temporada ao Genoa, em que tampouco conseguiu
ter algum impacto. Ao final da temporada 2021-22 era a hora definitiva de ir.

Quando
Calafiori anotou seu tento diante do Young Boys, é provável que mais gente na
Suíça estivesse assistindo ao jogo. O Basel abriu a carteira e pagou 2,6 milhões
de euros
para contratá-lo. Sob a liderança do ex-atacante Alexander Frei,
Riccardo finalmente foi titular e pela lateral esquerda. A participação do clube
no Campeonato Suíço andou muito aquém das expectativas e o treinador caiu. Foi
quando Heiko Vogel, até então diretor, assumiu o time que as coisas mudaram e
Calafiori se transformou em zagueiro, numa formação em que jogavam outros
dois.

O movimento de recuo à zaga aconteceu justamente quando a
Itália já se sabia carente de referências defensivas. A Azzurra que enfrentou a
Inglaterra em março de 2023 teve Francesco Acerbi e Rafael Tolói na retaguarda.
Pareceu insuficiente e os italianos foram superados por 2 a 1. Foi mais ou menos
nesse momento que o Arsenal perdeu, lesionado, o francês William Saliba e
precisou terminar o ano outra vez com ele na zaga, Holding. Não deu certo e o
título inglês ficou, pouco depois, com o Manchester City.

A passagem
de Calafiori pelo Basel durou pouco, mas não foi em vão. Vencida a temporada
2022-23, o Bologna tinha um dos treinadores mais promissores do futebol mundial
e procurava um jogador para dar um algo mais à sua defesa. Thiago Motta sabia
que poderia fazer aquele jovem alcançar seu potencial máximo
. Enfim, chega a
hora de brilhar.

Calafiori Bologna
Foto: Bologna/Arte: O Futebólogo

1792 dias após a hora mais escura, Calafiori
assinou pelo Bologna
, que pagou 4 milhões de euros ao Basel. Cientes da
qualidade de seu ex-jogador, os helvéticos mantiveram 40% do valor de uma
possível venda futura. Esparsamente, o defensor vai aparecer pela lateral
esquerda, mas nos planos de Motta ele é zagueiro e ponto final.

Livre de lesões, ele se revelou um monstro em 2023-24. Mostrou bom
posicionamento, passou bem, desarmou perfeitamente. Acima de tudo, teve a
coragem de iniciar as jogadas de seu time. Foram 30 partidas disputadas na Serie
A. Em 10 delas, um terço, o time não sofreu gols. Ele ainda descolou dois gols e
cinco assistências. Não por acaso, o Bologna se classificou para a primeira Liga
dos Campeões de sua vida.

Terminada a temporada, era hora de aguardar
a convocação de Luciano Spalletti para a Euro 2024. Calafiori, nunca antes
chamado, recebeu sua chance e foi titular ao lado de Alessandro Bastoni na zaga.
Foi o melhor jogador de uma Itália que decepcionou. O principal lamento no país
foi o segundo cartão amarelo que ele recebeu e o impossibilitou de enfrentar a
Suíça, nas oitavas de finais. Sem ele, a nação sequer teria passado de fase. Foi
fruto de sua coragem o gol da classificação diante da Croácia. Ali, ele arrancou
com a bola por longos metros e assistiu Mattia Zaccagni.

O Arsenal
foi melhor em 2023-24. Faltaram só dois pontos para conquistar a Premier League
e houve momentos em que o time jogou um futebol impressionante. Sob Mikel
Arteta, acreditou na conquista até a última hora. Porém, mais uma vez faltou
elenco. O lado esquerdo da defesa foi um foco de atenção. Oleksandr Zinchenko
não foi bem. Jakub Kiwior também não passou no teste. Sobrou até mesmo para o
lateral direito Takehiro Tomiyasu. Faltou alguém como Calafiori.

Não mais.

Benvenuto, Riccardo Calafiori 🇮🇹

Meeting new teammates for the very first time ❤️ pic.twitter.com/JbUhqOBCMN

— Arsenal (@Arsenal) July 29, 2024

Wladimir Dias

Idealizador d'O Futebólogo. Advogado, pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Escrita Criativa. Mestre em Ciências da Comunicação. Colaborou com Doentes por Futebol, Chelsea Brasil, Bundesliga Brasil, ESPN FC, These Football Times, revistas Corner e Placar. Fundou a Revista Relvado.

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