O ANO É 1992 e a Ucrânia, recém-alforriada da URSS, pensava no destino de seus clubes. Até então, disputavam os campeonatos nacionais soviéticos e precisavam encontrar um novo formato de competição. Assim, nasceu oficialmente o Campeonato Ucraniano, unindo 20 equipes de todo o país. Da elite da URSS, vieram seis clubes; da segunda divisão, duas; da terceira, nove e; da quarta divisão, outras três. Tudo indicava que o Dynamo de Kiev — maior campeão soviético — dominaria o certame. Isso se confirmaria com o tempo, mas não no primeiro ano de disputa.

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Futebol crimeano

Ao sul da Ucrânia se situa a Crimeia. Foco histórico de conflitos, a exemplo dos ocorridos entre 1853 e 56, quando Grã-Bretanha, Império Otomano, França e Sardenha se uniram para evitar os avanços expansionistas da Rússia, em que uma sucessão de erros de todas as partes (de estrategistas a médicos) matou mais de 300 mil pessoas, ou da autoexplicativa invasão pela Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra, a Crimeia teve motivos para sorrir no início dos anos 1990.

A primeira edição do Campeonato Ucraniano aconteceu em duas fases. Inicialmente, divididas em dois grupos, dez equipes jogavam entre si, em jogos de ida e volta. A seguir, os campeões de cada grupo se enfrentavam na decissão.

O Travriya Simferopol, representante da Crimeira, conseguiu o prodigío de liderar seu grupo, superando para isso Shakhtar Donetsk, Chornomorets, Torpedo, Metalurh, Karpaty, Kremin, Nyva, Evis e Temp. Assim, viu-se frente a frente com o temido Dynamo, com seus jogadores famosos, casos do zagueiro Oleh Luzhny e do atacante Oleg Salenko, futuro artilheiro da Copa do Mundo de 1994, ao lado do búlgaro Hristo Stoichkov.

O Milagre de Lviv

A finalíssima aconteceu na cidade de Lviv, próxima da fronteira com a Polônia. Mais de 36 mil pessoas atenderam à dura partida.

Comandado pelo lateral direito Oleksandr Holovko e pelos atacantes Sergei Shevchenko (sem parentesco com o famoso homônimo Andriy) e Yuriy Hudymenko, artilheiro da competição com 12 gols, o clube crimeano conseguiu um solitário e vital gol — de cabeça, após cobrança de escanteio pela ponta direita. A zebra marchou por cima do favoritismo dos homens da capital; e o primeiro campeonato ucraniano independente teve um desfecho sem paralelo.

Azarão, o Tavriya conseguiu um feito que apenas Dynamo e Shakhtar alcançaram nos 22 anos de história do campeonato. Desde então, a equipe retomou seu papel de figurante na cena ucraína. Após o Milagre de Lviv, Simferopol só comemorou um título: a Copa da Ucrânia, em 2010, batendo o Metalurh Donetsk, de Henrikh Mkhitaryan.

Tensões permanentes

Em função das tensões político-militares que assolam a região, o clube trabalha para não deixar de existir. Os portugueses David Caiado e Nuno Pinto lideraram uma debandada inevitável. O destino escolhido foi a Turquia. Em entrevista ao periódico português Público, Nuno contou o que viu:

“O aeroporto estava fechado e tivemos que seguir para Donetsk. Ao passar pela fronteira da Crimeia, vimos militares russos de cara tapada, com tanques e espingardas. Mandaram parar o ônibus, perguntaram quem estava dentro […] o motorista respondeu-lhes, mas não sei o que lhes disse, os militares abanaram a cabeça e seguimos viagem.”

Foto: RTP

Duas décadas depois de ser a sensação da edição inaugural do Campeonato Ucraniano, o Tavriya vive um período de indefinição. Além dos portugueses, mais 10 estrangeiros atuam na equipe, entre eles o brasileiro Célio, ex-Ponte Preta. O futuro do clube está em risco. Apesar disso, o esporte tem a virtude de contornar problemas e trazer esperança até nos tempos mais difíceis. O campeão de 1992 não pode morrer.

Atualização (2025)

Em 2014, a Crimeia foi anexada pela Rússia e o Tavriya acabou dissolvido. Dois anos depois, foi restabelecido, mas se mudou para a cidade de Kherson, ao sul ucraniano, norte da Crimeia. Em 2022, com a ocupação russa também da província de Kherson, entre março e novembro, o time entrou em novo período de inatividade, sem data para acabar. Restou apenas uma nota oficial: