1984-85: o ano em que o futebol sorriu à cidade de Verona
ÊXITOS DE CLUBES PEQUENOS, glórias obtidas em condições desiguais, com menos dinheiro e holofotes, via de regram carregam a simpatia do público. É provável que o Leicester City tenha sido o último expoente, quando se trata dos principais campeonatos europeus. Contudo, muito antes de os Foxes arrebatarem corações com a onipresença do carrapato N’Golo Kanté, a habilidade de Riyad Mahrez e os gols de Jamie Vardy, o Hellas Verona alcançou a glória máxima da Itália.

Foto: Arquivo Gazzetta dello Sport
Um contexto pós-crise no futebol italiano
Os anos 1980 começaram com o futebol italiano em crise. Após a deflagração do escândalo de manipulação de resultados que ficou marcado na história como Totonero, a Bota passava por um período de reanálise, até porque da desonra investigada decorreram os rebaixamentos de Milan e Lazio e a perda de pontos de Avellino, Bologna, Perugia, Palermo e Taranto — sem falar nos vários nomes, entre treinadores e atletas, punidos.
Um dos principais reflexos foi a instituição do sorteio dos árbitros a cada rodada — nesta edição apenas. O habitual era a escolha ser feita por um corpo técnico especializado. Esse fato costuma ser tratado como determinante para a conquista do Campeonato Italiano por uma equipe de uma cidade mais modesta — a segunda da região de Vêneto, atrás de Veneza; uma urbe muitas vezes menor do que Roma, Milão, Nápoles ou Turim.
O Hellas Verona se tornou o último provinciale a conquistar a Serie A. Após tal feito, a maior outsider a dar as caras na Bota foi a Sampdoria (de Gênova, sexta maior cidade do país), em 1990-91. Isto dimensiona o êxito dos Gialloblu, ainda maior diante do desfile de craques que se via no país. A Internazionale saía à passarela com Karl-Heinz Rummenigge, a Juventus com Michel Platini, o Napoli apresentava Diego Maradona, isso sem falar nas estrelas de Zico, Sócrates, Cerezo, Michael Laudrup, Roberto Mancini e Júnior, que abrilhantavam as equipes de Udinese, Fiorentina, Roma, Lazio, Sampdoria e Torino.
Ainda assim, os veroneses levaram a melhor.
Continuidade: um dos segredos do Hellas Verona
O Hellas Verona não caiu de paraquedas no pódio do campeonato. O treinador da esquadra, o italiano Osvaldo Bagnoli, ex-atleta do próprio clube, estava no comando desde 1981. Foi sob sua direção que o time deixou a segunda divisão, com o título de 1981-82. Já naquela altura, os Gialloblu tinham ambições. Seu presidente, Tino Guidotti, estava insatisfeito com o que vivera no ano anterior — o time terminara a Serie B uma posição acima da zona do rebaixamento — e queria vê-lo crescer.

Foto: Olycom
No retorno à elite, em 1982-83, os efeitos da presença do treinador se fizeram ainda mais notórios. O veroneses terminaram a Serie A na quarta colocação, atrás apenas da campeã Roma, de Juventus e Inter. Classificaram-se à disputa da Copa da Uefa. Ficaram também com o vice-campeonato da Coppa Italia: o Verona chegou a bater a Vecchia Signora na partida de ida, mas, com gols de Paolo Rossi e Platini (2), ela reverteu a vantagem na volta e levantou o troféu. Eram bons os ventos que sopravam sobre o clube azul e amarelo.
Com efeito, 1983-84 não foi um ano tão bom, mas para uma agremiação modesta estava tudo em ordem e o trabalho do treinador continuou. O Vernoa ficou em sexto no Campeonato Italiano e voltou a ser vice-campeão da copa nacional; perdeu dessa vez para a Roma. Na Uefa, caiu já na segunda eliminatória. Após superar o Estrela Vermelha, os Gialloblu perderam para os austríacos do Sturm Graz, no critério do gol marcado fora de casa.
Chegou a temporada 1984-85, com poucas mudanças.
Dois estrangeiros determinantes
Sob a mesma direção desde 1981, o Verona contratou dois reforços. Membro da melhor geração de futebolistas da história da Dinamarca, o atacante Preben Elkjaer chegou com duas missões: ser estrela e marcar gols. Por outro lado, para comandar as ações do meio-campo e inspirar seus companheiros, o clube trouxe o experiente Hans-Peter Briegel, polivalente alemão de longa história com as camisas do Kaiserslautern e da Mannschaft. Em 1985, seria eleito o jogador alemão do ano.
A dupla se juntou a um grupo de bons jogadores que compunham a base do time há alguns anos — figuras como a do goleiro Claudio Garella, o defensor Luciano Marangon, os meias Antonio Di Gennaro e Pietro Fanna, além do atacante Giuseppe Galderisi.
Equilíbrio foi a chave da conquista.
O Verona teve o maior número de vitórias (15) e foi quem menos perdeu (2). Os vice-líderes da estatística, Torino, Inter, Sampdoria e Juventus, tombaram cinco vezes. O azul e amarelo ainda teve o terceiro melhor ataque e a defesa mais sólida, com um saldo de gols de impressionante 23 tentos positivos.

Foto: Reprodução
A trajetória começou em uma noite histórica: a estreia de Maradona pelo Napoli. No Stadio Marcantonio Bentegodi, foram dados os primeiros sinais de que se poderia estar diante do futuro campeão nacional.
Inapelavelmente, o Verona venceu por 3 a 1. Seu início de campeonato foi impressionante. A primeira derrota só ocorreu na 15ª rodada, curiosamente para o modesto Avellino, que quase seria rebaixado. Nesse período, vieram vitórias contra Juventus e Torino, além de empates perante Inter e Roma.
Não se conta esta história, porém, sem falar em pelo menos um capítulo particular de Elkjaer, contra a Juventus. Na 5ª rodada, após ser lançado em tiro de meta, fintou com o corpo o marcador bianconero percorreu todo o campo adversário e finalizou o goleiro rival, para afirmar a superioridade gialloblu desde o início do campeonato. Detalhe: sem um dos pés de seu par de chuteiras.
Empatar, sim. Perder? Jamais!
A estrela de Elkjaer, apelidado de “Cavalo Doido”, a habilidade de Fanna, as defesas de Garella, os gols de Galderisi, e o elemento surpresa de Briegel tornaram o Verona quase invencível. É verdade que foram muitos os empates. Porém, em um torneio tão equilibrado, impedir que os adversários diretos recuperassem pontos nos confrontos diretos foi um feito e tanto.
Considerando os 10 jogos contra os cinco primeiros colocados, foram duas vitórias, sete empates e apenas uma derrota. Ou seja: o Verona consolidou sua superioridade contra as equipes modestas, ao mesmo tempo em que se impediu as maiores de se aproximar.
Matreiramente, os veroneses foram tomando conta do campeonato. Então, chegou a 29ª rodada.
No Stadio Atleti Azzurri d’Italia, casa da Atalanta, um empate seria suficiente para selar o inédito título. Foi o que aconteceu. Eugenio Perico até abriu o placar para a Dea, mas Elkjaer deu números finais ao encontro: 1 a 1. Pela primeira e única vez na história do futebol do Bel Paese, a láurea máxima do futebol do país partiu para Verona.
Já na temporada seguinte, 1985-86, os árbitros voltaram a ser escolhidos na forma clássica e o Hellas Verona foi apenas o 10º. Na Liga dos Campeões, depois de eliminar os gregos do PAOK, os Gialloblu caíram perante a Juventus, 2 a 0, no agregado. Apesar do quarto lugar em 1986-87, o time do Vêneto não voltou a viver grandes momentos.
Em 1989-90 caiu para a segunda divisão. Retoraria no ano seguinte só para ser rebaixado novamente em 1991-92. Um câmbio intermitente entre divisões: essa se tornou a tônica dos anos do clube que não se esquece das especiais jornadas dos anos 1980 — em especial daquilo que viveu em 1984/85.
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[…] durante muitos anos na primeira divisão, a qual lhe proveu o melhor momento de sua história, na temporada 1984-85, ocasião em que sagrou-se campeão […]